NÁRNIA É AQUI?
Junguiano que é Junguiano, não pode ver uma lenda que vai logo “decifrando”. E dá-lhe amplificações mitológicas, históricas, folclóricas, filológicas, semânticas e por aí se vai... Não sabe, por exemplo, e tão-somente, assistir ao filme; aposta, se tiver um colega junto, quem é capaz de identificar mais arquétipos, e, daí, tenta antecipar o que vai acontecer em seguida. É um saco! - “Olha lá! Aquele é o ‘Velho Sábio’, tenho certeza que não acontece nada com ele! Só se rolar uma ‘morte-renascimento’ ou um sacrifício heróico.” “Eita! Pegou a espada! Simboliza o resgate do princípio patriarcal organizador!” “Tá vendo a poção mágica? Asseguro-te que se trata do elemento vivificante feminino! Não disse? Eu sabia que quem ia tê-la era a menininha!” E haja paciência pra aturar... E lá vou eu fazer o mesmo...
Mas, não posso perder a oportunidade de alfinetar o pessoal boboca lá do Congresso (vide posts anteriores); aquele mesmo que identificando moral com egoísmo, elabora uma proposta de terapêutica que redunda em um saco de gatos contrário a tudo que Jung já escreveu. Desafio qualquer um a me mostrar uma única linha do próprio punho de Jung que indique, muito ao contrário do que disseram os mencionados bobocas, que o objetivo da psicologia analítica é a produção da felicidade, antes, como já afirmei em outros lugares, é a Moral o fator efetivo na Psicologia Analítica.
É que o livro que deu origem ao filme As crônicas de Nárnia – O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa é, como toda grande fábula, a descrição de uma situação arquetípica Moral, que seja, o eterno conflito entre o Bem e o Mal. A cena inicial mostra Londres sendo bombardeada pelos alemães, o que realmente ocorreu, na Segunda Grande Guerra, e os quatro filhos de uma senhora inglesa – dois meninos e duas meninas – são enviados à casa de um tio, no interior do país. Lá, brincando de esconde-esconde, encontram um guarda-roupa que é o portal para a terra mística de Nárnia, onde a Feiticeira Branca reina, produzindo um terrível inverno que nunca acaba.
Já aí, notamos uma sincronicidade (acontecimentos sem uma origem comum, mas que se unem pelo significado) – a uma tragédia no mundo empírico, corresponde outra no mítico (ou espiritual). Os nazistas e a Feiticeira Branca são uma e mesma coisa, e toda a real população britânica é simbolizada pelos quatro jovens... Assim, entre uma cena e outra, a intrigante questão se apresenta às cabeças mais bem-pensantes: Será que à situação do meu mundo mental, corresponde outra, no mundo físico, ou vice-versa? Será – que terrível! – que como aqueles personagens, eu, resolvendo minha problemática pessoal, contribuo para a interdição de mensalões e mensalinhos? Que magnífica questão, esta! E creio que sim, a resposta é individual; não cabe à sociedade, este ente etéreo e amorfo, a última palavra sobre o desenvolvimento da humanidade, e isto bem ao contrário do que querem os apóstolos dos movimentos sociais[1]:
“Entretanto um teólogo disse-me: ‘Devemos chegar às massas. Se tentarmos tratar indivíduo por indivíduo, nunca chegáramos a coisa nenhuma!’ Eu respondi: ‘Como foi que o cristianismo conquistou o mundo, em primeiro lugar? Não foi sempre de indivíduo para indivíduo’?
E o nosso já tão conhecido e amado reformador Moral, Kant, também concorda que o Indivíduo seja a instância decisiva, no que tange ao progresso espiritual, em um texto que arrepia socialistas de todos os matizes e petistas revolucionários[2]:
“Por meio de uma revolução poderá talvez levar-se a cabo a queda do despotismo pessoal e da opressão gananciosa ou dominadora, mas nunca uma verdadeira reforma do modo de pensar. Novos preconceitos, justamente como os antigos, servirão de rédeas à grande massa destituída de pensamento.”
Não quero estragar o filme, contando-o todo, para quem ainda não viu. Digo, apenas, que em Nárnia não faltarão traições. Pelo bem de si mesmo (felicidade), haverá quem troque informações preciosas à Feiticeira Branca, por promessas de doces e poder. Haverá também culpa – primeiro passo na terapia analítica -, perdão, redenção e auto-sacrifício. Uma bela estória cristã, como cristão era seu autor... Hei! Por favor, o senhor (ou senhora) poderia me informar onde fica Nárnia?
[1] JUNG, Carl Gustav; C.G. Jung: Entrevistas e Encontros; São Paulo; Cultrix; 1982; pág. 401.
[2] KANT, Immanuel; A Paz Perpétua e outros Opúsculos; Lisboa; Edições 70; pág. 13.
Sunday, December 11, 2005
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6 comments:
cara, novamente um texto mto bom. tou ficando com inveja. sobre massas: sábado fui a uma feijoada de comunas (não, eles não eram os porcos mortos pra q se fizesse a feijoada, eles eram os organizadores da feijoada, q tinha por mote arrecadar fundos pra ajudar invasores de uma área na gde são paulo: tinham-me dito q eram 1200 famílias e q lhes faltava de tudo, até sabão...). Pois bem, mto engraçado ouvir alunos da usp, puc e mackenzie gritando palavras de ordem como "MTST! A luta é pra valer!" e "Criar! Criar! Poder Popular!". Fico eu pensando... o q esses playboyzinhos têm a ver com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto? Cada um querendo parecer mais "progressista" q o outro. O suposto evento político era nada mais q uma confraternizaçãozinha regada a mta cerveja... duvido q a maioria ali tivesse outro objetivo senão melhorar sua vida sexual (aliás, uma comuna minha amiga contou-me, indicando um colega dela, q mtas meninas ingressavam lá no movimento deles pra tentar uma aproximação com aquele sujeito... e depois sumiam). Pois bem, pelas contas q fiz foram arrecadados uns míseros 700 reais pras tais famílias (foram 89 pessoas, a feijoada custava 15 reais e metade do valor ia pro tal movimento)... Mas é claro q cada um dos comunas presentes se achava o máximo e achava o evento um sucesso... E no final alguns dos comunas ainda se reuniram pra discutir as formas de atuação deles no MTST: ficaram uma hora e meia discutindo e não conseguiram decidir se deviam dar aos invasores ou um curso de formação política ou um curso de formação jurídica, ou os dois ao mesmo tempo mas separados ou os dois juntos (e o sujeito q defendeu q fossem dados juntos os dois cursos argumentou q "eles não poderiam ser separados pq divisão do trabalho é uma coisa q atende aos interesses do capital e a gente não pode usá-la").
ah... e ia esquecendo de contar: conheci tb os números mais precisos: 1200 famílias passaram pela invasão, mas atualmente só 700 estavam lá (e destas, apenas 100 eram cadastradas no MTST, as outras 600 estavam lá só pra ver se conseguiam um lote se desse algum resultado a invasão: me contaram q passaram com carro de som pelas ruas convocando as pessoas para a invasão --afinal, qnt mais gente, mais difícil a reação do poder público.)
bom, desculpe a longa história. fiquei entusiasmado.
Cara, que ótimo!!
Tudo isso, o comentário acima, seu post..
Vou me reter hoje apenas a isso.
ÓTIMO!! Um grande achado seu blog. Meus parabéns.
Se ser bom fosse conseqüência de seguir seus impulsos e desejos não haveria mérito nisso.
Antes ser bom está em renunciar até mesmo ao lícito, pelo Santo Amor.
Como é fácil, leve, doce e soa bem essa filosofia cínica, mas a Verdade é pesada, como uma cruz.
Nárnia é na PUTA QUE O PARIU!
novata no blog e já adorando a temática. Adorei o post sobre o filme e acho que vc poderá aprofundar muito mais quando ler o livro (só o do filme) ou as cronicas como um todo que sao todas interligadas.
O filme tem um teor "familiar", ou seja, de todas as crianças serem parentes, que os livros não tem. O lance é bem segunda guerra mesmo, crianças de familias diferentes na casa de uma pessoa que as abriga (o tio no filme não é tio e há uma explicação para ele ser quem é e para o tal guarda-roupa estar lá), bem legal mesmo. Mas bem, quero dizer que adorei o blog, infelizmente não sou psicologa (e sim biologa), más adoro esse tipo de itervenção.
até mais...
Narnia é na terra média seu otário!!!
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