Sunday, November 20, 2005

A PSICOLOGIA JUNGUIANA É IMORAL? II

O seguinte texto parte da inescapável premissa de que já foi lido o “post” anterior, e, sendo assim, levando em consideração as enfáticas críticas que teci aos junguianos que fizeram uma lamentável apresentação em um recente congresso, atendo ao pedido para explicitar “por que deve um junguiano ler Kant?” Antes de prosseguir devo acrescentar que escrevi o texto passado[1] e o presente como uma homenagem e contribuição à inteligência dos junguianos sinceramente interessados no estudo da teoria do “Sábio de Zurique”.
Comecemos com a enfática afirmação do próprio Jung de que[2]
“...as causas principais da neurose são conflitos de consciência e problemas morais difíceis, cujo processo de cura exige que se dê uma resposta a eles.”
Então, caros médicos e psicólogos, quais os estudos de neurônios, condicionamento operante e cognição que lhe virão em socorro nessa hora de aflição? Eis que um paciente, postado diante de si, dependente, como se estivesse com as vísceras à mostra em uma mesa de cirurgia, exige-lhe uma resposta... O treinamento brasileiro junguiano aconselharia uma elegante “imaginação ativa”? Ou, quem sabe, uma charmosa “análise de sonhos”? Na verdade, e devido ao despreparo filosófico, os médicos e psicólogos pensam, de forma intelectualmente desonesta, que tecnologias de psicologia analítica podem ser sempre chamadas para encobrir suas graves lacunas em formação junguiana, com um resultado que será, com certeza, não menos que indigente, pois, afinal, quanto ao uso da técnica, tão-somente, já Jung advertia[3]:
“A cura da neurose não é, em última análise, um problema técnico, mas um problema moral.”
Ora, são dois os pensadores com presença constante na obra de Jung: Kant e Nietzsche. O primeiro, no que é chamada de revolução copernicana da filosofia, bem separou em sua obra “Crítica da Razão Pura”, o que pode ser conhecido, do que não pode. Foi assertivo em insistir que só podemos ter conhecimento de objetos da experiência, eliminando assim, a ciência medieval dos objetos metafísicos, tais como Deus e Liberdade, o que provocou, segundo a lenda[4], a ira dos padres de então, que se vingaram pondo em seus cachorros o nome de Kant.
Mas, surpresa! Eis que a metafísica ressurge como uma resposta à pergunta por objetos que possam ser produzidos independentemente da experiência (a priori) e que sejam necessários (não possam ser diferentemente do que são). Os juízos da matemática são um bom exemplo disto. Mas existirão outros? Sim, a Moral. É absoluta, independe de experiências e advindo exclusivamente da razão, é tão certa, universal e necessária quanto a matemática. É uma questão de saber se[5] “razão pura pode ser prática; isto é, pode, por si só, determinar a vontade, independentemente de qualquer coisa empírica.” E pode, pela liberdade, conforme ficou demonstrado no “post” anterior. De fato, só faltou o próprio Jung recomendar, com todas as letrinhas, que os terapeutas lessem Kant, ao insistir na afirmação da Razão através da liberdade como Moral, e na correspondência destas com sua teoria[6]: "É inegável que a razão aparece aqui como uma instância de decisão ética."
Desta forma, apesar de levar em consideração determinantes subjetivas, Jung não se afasta muito de Kant ao reconhece à Moral uma objetividade na qual muito insiste o segundo[7]:
“Não se deve esquecer que a lei moral não é apenas algo imposto de fora à humanidade (por exemplo, por um avô ranzinza), mas é expressão de uma realidade psíquica.”
O que é bem antipático, nestes tempos onde o sucesso de um autor é diretamente proporcional à sua capacidade de puxar o saco de quem lhe ouve, é que muito se tem desprezado, por todos os “doutores da alma” e pelos junguianos mais especificamente, bem como pelo público em geral, a culpa, como parte integrante do processo terapêutico. Assim, a consciência da Lei Moral e o remorso decorrente de sua infração, são condições inextinguíveis para o aumento da consciência[8]:
“Pode ser que algo seja realmente mau para ele, mas assim mesmo o faz, ficando então com a consciência pesada. Em sentido terapêutico, portanto, empírico, isto pode ser muito bom para aquela pessoa. (...) Como experimentará alguém a necessidade de redenção se acha, em sua presunção, que não precisa ser redimido de nada?”
Jung já afirmou em vários lugares[9] que a personalidade do terapeuta é o fator que em muito contribuirá pelo sucesso, ou não, da dinâmica analítica. E, com certeza, uma personalidade “forte” não será proporcional à quantidade de horas dedicadas à musculação, nem, muito menos, a um certo temperamento injuntivo, antes, é à consciência moral que se refere, uma vez que é por ela que se conduzirá todo o processo. Entretanto, se não se recusa ao outro uma orientação, negando, felizmente, o covarde mote de que ao analista está apenas reservado o papel de mero observador acompanhante de caminhada, há que se cuidar para, também, reconhecer no paciente a importância de sua própria decisão moral soberana, como instância última do processo terapêutico. A Lei Moral torna-se pedagogia de si e de outrem e, desta forma, aplica-se indistintamente tanto ao analista quanto ao paciente[10]:
“O que no passado era método de terapia converte-se aqui em método de auto-educação, e com isso o horizonte da nossa psicologia abre-se, repentinamente, para o imprevisível. O que é decisivo agora não é o diploma médico, mas a qualidade humana.”
Então, se quero medir, por exemplo, o tamanho de algo, preciso compará-lo a uma unidade de medida – metro, polegada, braças – ou coisa do gênero; dá-se o mesmo se quero pesar - uso então quilos, libras ou onças. Lê-se Kant para conhecer a unidade de medida Moral, e até aqui, pretendi mostrar o quão grande e até difícil é esta responsabilidade, que está diretamente relacionada ao que o pessoal das associações junguianas brasileiras parecem, imbecilmente, ignorar – a relação necessária e absoluta entre Kant e Jung.
[1] COELHO, João; A Psicologia Junguiana é Imoral?; donodaverdade.blogspot.com
[2] JUNG, Carl Gustav; A Vida Simbólica (vol. XVIII/2); Vozes; Petrópolis; 2000; pág. 191.
[3] Ibidem; pág. 192.
[4] DURANT, Will; A História da Filosofia; Record; Rio de Janeiro; pág. 213.
[5] Cf. ibidem; pág. 214. ou KANT; Crítica da Razão Prática; Edições 70; Lisboa; pág. 23.
[6] JUNG, Carl Gustav; Psicologia da Religião Ocidental e Oriental(vol. XI); Vozes; Petrópolis; 1983; pág. 77.
[7] JUNG; A Vida Simbólica; pág. 194.
[8] Ibidem; pág. 428.
[9] Conf. JUNG; A Prática da Psicoterapia; Vozes; Petrópolis; 1985; pág. 07.: “O melhor que o médico pode fazer nesses casos é dispensar todo seu equipamento de métodos e teorias e confiar, velando unicamente por sua personalidade para que ela tenha firmeza suficiente para servir de ponto de referência ao paciente.” (grifo nosso)
[10] Ibidem; pág. 71.

5 comments:

Anonymous said...

O texto está brilhante, muito esclarecedor! Beijo!

Anonymous said...

ah cada dia eu me convenço mais de q devia estar lendo kant... mas agora não dá tempo (provas idiotas de fim de ano)...

não sei como as coisas são aí em PE, mas aqui minhas aulas de filosofia do direito são quase inúteis... preciso tomar vergonha na cara e estudar mais por minha conta (pq ter quase nada de kant num ano inteiro de filosofia do direito é...)

Anonymous said...

Besteira.

Anonymous said...

tecnologias de psicologia analítica podem ser sempre chamadas para encobrir suas graves lacunas em formação junguiana

Tecnologias da Psicologia Analítica??? Não sabia que havia alguma tecnologia.

Poderia citar uma?

Acho que esse texto que é imoral, por ser tão leviano e afirmar ligações bizarras entre Kant e Jung. Uma verdadeira ode a bestialidade e a ignorância humana em forma de blog.

É com toda a certeza um dos melhores exemplos de mal uso dos recursos de liberdade de expressão que eu já vi na Internet. Fico com pena dos estudantes de psicologia que lêem os textos do Sr. Bosco e levam a sério!

Anonymous said...

Tem problemas com neurônios? Cognitivo comportalmental ou psiquiátra.

Jung é outra coisa e com larga certeza, vc NÃO entendeu o que significa a terapia junguiana.