Saturday, November 12, 2005

A PSICOLOGIA JUNGUIANA É IMORAL?

Junguiano é tudo burro! E você, de bate-pronto, pergunta muito justamente: “- E eu com isso?” Interessa saber o que é “bondade”ou “ser bom”, e, por contraposição, “maldade” ou “ser mal”, não interessa? Conhecer o “como devo agir”, pois não? Entender que bicho é esse a que chamam de “Moral”, correto? Atinar com a “Lei do Gérson”, que é ser “ispierto” e gostar de levar vantagem em tudo, “cierto”? E o que isto tudo tem a ver com os junguianos serem asnos?
Explico-me. Fui a um congresso dos psico-jumentos brasileiros, por gostar muito do velhinho Jung, e lá vou eu, todo alegrinho, assistir a uma palestra cujo título era alguma coisa como “Ética e Terapia”. Quão grande não foi minha surpresa ao notar que, orador, após orador, fazia meu ouvido de penico, insistindo que “ser moral é procurar a própria felicidade”! Paulo Coelho não poderia ter sido mais agradável a uma platéia tão sequiosa de afagos nos egos! O que poderia ser mais cômodo, para espíritos preguiçosos, do que a identidade entre a satisfação dos desejos e a Moral?
Coitadinhos! Sendo exclusivamente Médicos ou Psicólogos, condição sine qua non para a formação junguiana BRASILEIRA, e muito ao contrário do estudioso de Filosofia que lhes inspiram, eles possuem pouco ou nenhum conhecimento filosófico, confirmando a afirmação do próprio Jung[1] - “Que o médico nada tenha a dizer a respeito das últimas questões da alma é de todo compreensível”. Afinal, que pode dizer do espírito quem estudou tão-somente neurônios, condicionamento operante e cognição?
Assim, os fulaninhos, cometem dois gravíssimos enganos quando (erro número um) justificam a “eticidade da busca pela felicidade” com um hedonismo que descamba para uma inconfessada inconseqüência, ao mesmo tempo em que (falha dois) desconhecem que a ética não é subjetiva, antes, tratada como uma Teoria Moral, é determinação objetiva da vontade pela razão.
Traduzindo: a não tão subliminar identificação junguiano-brasileira, do “fazer o que der na telha” com liberdade, esconde a ignorância de que quando se tem a própria vontade submissa a princípios de prazer ou poder, na verdade, não se é livre de modo algum; se é mero escravo de instintos.
É claro que os junguianos teriam que ler Kant, o que, com certeza, não fizeram, para entender que[2] “A liberdade no sentido prático é a independência do arbítrio frente à coação dos impulsos da sensibilidade”; portanto, é a determinação da própria vontade, pela razão, independentemente do que ordenam os imaturos hormônios que, até em muitos patéticos adolescentes de setenta anos, estão sempre presentes. O velho ditado “pense duas vezes antes de agir uma” é uma boa tradução popular deste conhecimento.
A vontade, ou é, digamos, constrangida pela natureza ou pela razão, não havendo, aí, meio-termo. Ora, se a biologia, o inconsciente, o politicamente correto ou o que quer que seja, determinam como se vai agir, então, nesse caso, você pode se dizer livre?
Entretanto, se se procura encontrar princípios acessíveis à razão, válidos por todo lugar, e necessários (não podem ser senão desta forma e não outra), e se age por eles, está caracterizada a autonomia da vontade que por perceber a Lei Moral, move-se nela e por ela. Ou seja, a moralidade não “vem de fora”, não depende de hábitos ou costumes, antes, a razão, independente, dá a si mesma a Lei.
Existem estes princípios racionais pelos quais se deve pautar, indubitavelmente, o agir? Ora, ou existem e você e eu estamos subordinados a eles, ou não existem, e aí, temos passe livre para fazer tudo que “der na telha”, afinal, quem pode dizer o que está certo e o que está errado? Apenas normas sociais, válidas aqui e não mais acolá, embaraçam a total expressão dos desejos mais doidivanas. Não é mesmo?
Assim, razão, vontade, liberdade e Moral, estão profundissimamente relacionadas no que Kant chama de imperativos categóricos, cuja fórmula será[3] “devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal”. Exemplificando: “Máxima”, em uma tradução pouco convencional de Kant, poderia significar “mote”. Digamos que minha “máxima” seja – “vou mentir sempre!” Se isso valesse sempre e para todo mundo, a definição mesma de verdade estaria corrompida, uma vez que em um mundo de completa falsificação, jamais saberíamos quando fulano estaria mentindo ou quando sicrano estaria sendo sincero!
No nosso mundo real, onde, pelo menos, há o ideal da verdade, a mentira torna-se uma exceção ao princípio geral – de não mentir – que se faz em “benefício” próprio. Ou seja, concedemos uma “pequena”, “só desta vez”, ressalva à regra, pelo amor de si mesmo. Deste último, Kant faz questão de indicar que[4] “tal amor, aceite como princípio das nossas máximas, é precisamente a fonte de todo o mal.”
Não posso pensar em explicação melhor para descrever a atual situação política do pobre Brasil e, quiçá, de nossa própria vida pessoal...
Todavia, penso que já me estendi por demais, então se os junguianos não conseguirem enxergar a óbvia relação entre a Teoria Moral de Kant e a prática terapêutica de Jung, embora eu creia que tenha ficado mais que evidente, ficarei devendo uma pormenorizada observação para o próximo “post”.
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[1] JUNG, Carl Gustav; Psicologia da Religião Ocidental e Oriental (vol. XI); Petrópolis; Vozes; 1983; pág. 334.
[2] KANT, Immanuel; Crítica da Razão Pura; Lisboa; Calouste Gulbekian; 1997; pág. 463.
[3] KANT, Immanuel; Fundamentação da Metafísica dos Costumes (Coleção Os Pensadores); São Paulo; Editora Abril; 1974; pág. 209.
[4] KANT, Immanuel; A Religião nos Limites da Simples Razão; Lisboa; Edições 70; pág. 51.

9 comments:

Anonymous said...

tira suas conclusões de um simples congresso? aposto que é psicanalista que se acha o dono da verdade...

Anonymous said...

espero que não sejas psicólogo, pois com esta falta de respeito acabaria com a nossa classe...

Anonymous said...

A necessidade de afirmar a liberdade acima de qualquer coisa é tão falha quanto a necessidade de afirmar a existência de Deus. O ser humano tem medo de não ser livre, assim como tem medo de não haver nada após a morte. Cria, portanto, a Metafísica como resultante da Razão Prática; três ilusões: a Liberdade, a existência de Deus e a imortalidade da Alma.

O ser humano não é livre, mas sempre determinado por aquilo que lhe foge do controle: inconsciente, sociedade, cultura, biologia...

A razão não dá e nunca dará conta da totalidade do humano simplesmente porque a razão não é a totalidade do humano.

Anonymous said...

Eu não sei de nada. Mas não tente me converter.

Anonymous said...

Oi Bosco, achei seu texto um tanto "tecnico" em termos de Kant. Nós pobre mortais, não estudiosos de Kant precisamos de certa tradução. Mas afinal, o que Jung tem a ver com Kant? qual o posicionamento de Jung em relação a essa Moral, para que os junguianos tenham a obrigação de ler Kant? Acho q isso não ficou claro... Um abraço!

Anonymous said...

Olá, Bosco! Tudo beeeem? Risoss... Vê só, há muito desisti de saber do bem ou do mal dentro de um princípio geral ... Poxa , há tanta diversidade no mundo para escolher um princípio que se quer geral e universal. Nesses momentos de escolhas, confesso que me bate uma disposição macunaímica, pois sei que a escolha resultante será descartável, só servirá para aquela situação específica. Todavia, os princípios universais e gerais são bons pontos de partida, porque temos que ajeitar o raciocínio antes de utilizar a razão (né?). Outra coisa ... que barra você enfrentou nesse congresso, hein? Ninguém para contradizer o orador anterior ... tsc ..tsc ... sem graça ... sem graça. Devido à minha fase de boa disposição com as pessoas, entrevejo possibilidade para a afirmação dos “oradores associados”: ser moral é procurar a própria felicidade. Como? Assim: pensando a ética como um conjunto de normas morais mais freqüentes escolhidas num determinado meio, o que torna a ética uma “moral objetiva”, o indivíduo desse meio a tomará geralmente como sua moral, pois coincidente esta com a ética, ou seja, é concomitantemente moral e ética para esse indivíduo. Nessa circunstância excepcional, ser moral é procurar a própria felicidade. Isso porque geralmente o indivíduo precisa viver harmoniosamente o seu lado social para ser feliz.. Por fim, liberdade guiada pelos instintos ou liberdade guiada pela razão, qual das duas têm mais de liberdade raiz? Mais outra coisa, sempre pensei que a lei universal mencionada por Kant tivesse por mira uma paz universal perpétua ... risoss ... Kant é um fofo mesmo ... Abraço! Ana

Anonymous said...

Fala grande, pra mim esse texto fala de uma coisa que leva o homem ao fracasso constante, moralmente falando,...o Relativismo. Na minha ignorância assim entendo e concordo com tudo que li, tirando fora minha falta de conhecimento dos termos técnicos e/ou noções menos profundas dos mesmos,....resumindo...concordo.
Mas acho que você deveria trazer essa realidade mais para o lado da nossa natureza, sim eu sei, você o fez, mas tratar o tema não apenas nessa ótica.

Abraço!

Anonymous said...

cara, nem lembro onde vi o link pro seu blog, mas valeu a pena ter entrado aqui. mto bom mesmo.

eu só queria fazer uma observaçãozinha (q pelo q vejo passando os olhos sobre os comentários, outros tb a fizeram): até q ponto a gente pode confiar na razão? não pode a própria razão ser determinada por fatores irracionais? preconceitos, interesses, emoções, ideais, o inconsciente, a sociedade, a história, as experiências, as realizações e as frustrações não estão o tempo todo determinando nossa forma de pensar o mundo?

eu não quero cair no relativismo... embora eu admita q as pessoas são diferentes em seus interesses e capacidades, q nossa capacidade de perceber o mundo é limitada e q cada um vê uma realidade... eu ainda acredito na generalização como meio para avaliar a conduta... Mas... sei lá... A opção pela razão é uma opção moral...

bom... é isso aí... sou confuso mesmo... e preciso ler kant (infelizmente ainda me classifico entre os q não o leram...)

Anonymous said...

Lixo pseudointelectual!