Sunday, November 27, 2005

VOCÊ TEM UM "HISTÓRICO MORNO DE VIDA"?


Uma leitora, de uma perspicácia a toda prova, comentou: “já percebeu tamanha estupidez do ser humano, deixar-se acreditar que amoralidade é uma virtude?!!! Não me admira que a neurose na atualidade cresça exponencialmente!” Na verdade, acho impressionante e fico muito alegre, que alguém ainda consiga pensar e sentir fora dos padrões medíocres de nossa sociedade. E que não se culpe a mídia, ela apenas vende o que o populacho está louquinho pra comprar.
Em uma banca de revistas, vi a “Marie Claire” de novembro. Costumava ser uma leitura agradável, para jovens senhoras, diferentemente do público de “Nova”, mais jovem, e por isso mesmo, mais venal; ainda se destina ao mesmo público, mas o conteúdo, quanta diferença... Depois do obrigatório “Beleza – os segredos da nova Escova Progressiva”, estava lá, “SEXO SEM LIMITES – Nas novas casas de swing, a balada vai além da troca de casais”. Comprei na hora, pois nem só de “Sexy” vive o filósofo que anseia saber o que vai na cabeça da multidão. Mas a indizível surpresa estava mesmo era lá pelo meio da publicação: “30 coisas para fazer antes dos 30”, acompanhada de uma advertência terrível, comparável a uma maldição de proporções bíblicas – “Se você está chegando lá, aproveite as idéias ou carregue para sempre um histórico morno de vida”. Fico imaginando a leitora suando frio, em um misto de expectativa, medo e culpa – “o que será, o que será que devo fazer pra não acusada de ter um 'histórico morno de vida?'”, e, desesperada, ao mesmo tempo em que reza pra já ter cumprido ao menos metade da lista, apressa-se a seguir as ordens da surprema autoridade da articulista, da qual separo algumas sugestões:
1. Transar com um cara com menos de 20 anos.
2. Dizer que vai a uma reunião e ir transar com o novo namorado.
4. Beijar um passante.
9. Passear sem calcinha.
10. Beijar uma mulher para ver como é.
11. Transar com um dos seus melhores amigos.
15. Transar com alguém e esquecer o nome dele.
22. Ter o melhor sexo da sua vida com um otário.

Antes de a gente prosseguir, deixa eu te apresentar uma outra lista, que, bem menor, tem apenas oito sugestões:
1. Escrever suas primeiras páginas mediúnicas e propagar ao mundo inteiro mensagens de caridade e amor fraterno. – Chico Xavier, aos 17 anos.
2. Obter um diploma de medicina – você tem grana pra isso, afinal, pobre não compra “Marie Claire” – e começar as pesquisas que te habilitarão a descobrir a vacina contra, digamos, a paralisia infantil. – Albert Sabin, aos 25 anos
3. Sentir o ardente desejo... de ser missionária! – Madre Teresa de Calcutá, aos 12 anos.
4. Descobrir o “Efeito Fotoelétrico” e ganhar, alguns anos depois, o prêmio Nobel. - Albert Einstein, aos 26 anos.
5. Preferir assistir a um programa de popularização de astrofísica (“Cosmos” de Carl Sagan) a continuar dormindo. Eu, aos 15 anos.
6. Ter seu talento reconhecido e ser convidado a participar do Kirov Ballet e, mais tarde, ser indicado ao “Oscar”. Mikhail Baryshnikov, aos 18 e 29 anos, respectivamente.
7. Ser um compositor de altíssima qualidade. Wolgang Amadeus Morzart, aos 12 anos.
8. Denunciar a mentira, até de quem lhe é próximo. – Emanuela Lima, aos 22 anos. (“Veja”; edição 1933; 30 de novembro de 2005, pág. 62).

Traduzindo: a revista “Marie Claire” diz que se você trepar adoidado, terá tido um vidão, eu, por outro lado, apenas estranho quem pensa que o mais significativo da vida é copular como um animal. Estes últimos, realmente, não podem fazer mais que o sugerido lá na lista da revista...

13 comments:

Anonymous said...

Caramba, Bosco!!! Fiquei engasgada com esse texto! Como é bom ler coisas assim, que maravilha que vc abriu esse blog! As revistas femininas estão cada vez piores e exatamente pelo que falou: o publico anseia por esse tipo de coisa. Mais ipressionante que Marie Claire, Nova e outras desse tipo, são as revistas para adolescentes (tipo Querida). É um escândalo o que ensinam para as meninas ali! Fazem parecer que é a coisa mais normal do mundo uma menina de 14, 15 anos ter relações sexuais com os namoradinhos, que ter fantasias sexuais faz parte da vida, e por aí vai... Enfim, continue assim, dando seu alerta! Beijo grande!

Anonymous said...

Fantastico cara, tem que ser publicado, coisas assim precisam ser expostas urgentemente e espalhadas aos quatro ventos. Parabens!
Abração

Anonymous said...

p.s. que se entenda que ter fantasias sexuais é muito bom... mas praticá-las na idade certa, né!

Anonymous said...

saber que existem pessoas que pensam assim me faz sentir menos alienígena...

Anonymous said...

Mesmo sem ter nível e coragem igual a sua, eu ao ler o que vc explana, eu me sinto menos sozinho no mundo. Chego a dizer " Existem pessoas iguais a mim"

Anonymous said...

Prezado colega
Não há como discordar de sua lúcida observação sobre o conteúdo da matéria publicada na Marie Claire. Entretanto, só não engulo mais dizer que o populacho ou as patricinhas anseiam por esse tipo de matéria, pois há muito tempo as pessoas no Brasil não têm seus próprios desejos ou opiniões. A prova disso é a tv paga. Quantos de nós não já corremos para ela para fugirmos da desgraça aberta? E resolveu nosso problema? NÃO. A tv paga é quase tão ruim quanto a aberta, porque definitivamente não somos nós os definidores da programação; somo apenas chamados a escolher dos males o menor.
Na minha modesta opinião, nosso povo é tão sem cultura e sem autodeterminação que, o que estiver disponível, eles pegam. A mídia é sim impositora da mediocridade que reina, o povo é apenas receptáculo, mas nem por isso coitadinho.
Há alguns anos que venho sem opção de leitura com relação a jornais e revistas, bem como com a programação de tv. Afinal de contas, nem Marie Claire, nem Veja, nem Isto é, nem Jornal do Comércio ou Diário de Pernambuco fazem diferença para mim. É tudo lixo programado para obinubilar mentes. Espero que não a minha.
Tchau,
Sua colega você sabe de onde.

Anonymous said...

novamente um texto excelente. tou sem tempo pra comentários bem elaborados (semana de provas)

Anonymous said...

olá...lindo seu texto. e sim eu tenho um histórico morno de vida. graças a deus!
faz dias que entro aqui atrás de coisas novas...quando teremos novo manjar dos deuses para ler?
parabéns

Luiz Augusto Silva said...

Esse post merece um link.
Felicidade

Norma said...

Muito bom, João! Essas revistas só têm uma coisa em mente: atrair e manter o público feminino pela parte mais fácil, a de baixo. Afinal, pensam eles, a pornografia explícita não funciona com todo mundo. Para os homens mais sofisticados, Playboy (segundo os próprios idealizadores da revista); para as mulheres em geral (mais avessas à pornografia), essas revistas femininas. "Nova", então, é podre. E o mais impressionante é que, por trás do discurso moderninho, continua a velha condenação bíblica "Teu desejo será para com o do teu marido" (Gênesis): as matérias orientadas para o sexo ficam sempre em função de como agarrar um homem e de como segurar o homem depois de tê-lo agarrado.

No fim das contas, fazem o jogo do imanentismo moderno, reduzindo a "novidade de vida" a sexo, sexo e mais sexo. Ridículo, perigoso, fútil e autodestrutivo. Como a modernidade.

Anonymous said...

Ah entendi, vc sabe tudo de educação sexual para mulheres, neh?! publica um livro queridinho, além de ficar famoso e ganhar muito dinheiro vai poder pegar muita mulher metida a intelectual que ia cair feito um patinho nesse teu papinho pseudo-filosofico...
merda de blog!

Anonymous said...

Gostei muito. Muito.

Anonymous said...

Muito bem dito, Bosco. Gostei muito. Deveria ter enviado o teu texto para a redação da revista. Duvido que conseguisse tirar a futilidade da pauta das senhoras articulistas daquela publicação, mas talvez lhes fizesse algum bem tomar certas alfinetadas.
É incrível: as pessoas concebem as suas vidas como um período no qual devem aproveitar a consciência (em seu nível mais superficial) e a associação com os sentidos para o fruir desenfreado de prazeres e a afirmação de uma identidade impermanente. Ao mesmo tempo, lotam igrejas e templos... vá entender!